Ao esmiuçar sobre o silêncio é notável observar uma variante no significado, desde a etimologia até as pesquisas ciêntificas. O estudo é muito necessário para compreender a preciosidade poética do autor Marlon Moraes. O silêncio vem do Latim SILENTIUM — ato de estar quieto — de SILERE, “ficar quieto, evitar ruído”. Nos estudos e pesquisas freudiana, o silêncio, para o teórico, é como efeito da resistência. Já nos estudos da saúde, o silêncio é uma possibilidade de abertura do inconsciente e de trabalho psíquico. Na pesquisa de Padrão[1] é abordada a dicotomia da palavra:
A própria concepção de silêncio comporta em si um aspecto dicotômico, já que se funda na dicotomia entre presença e ausência de sonoridade, sem que considerações sobre o silêncio na clínica psicanalítica: dos primórdios aos dias atuais uma exista sem a outra. Assim como a dicotomia clássica corpo/alma, a dicotomia som/silêncio se define pela divisão lógica de uma noção em dois outros conceitos, contrários entre si, que lhe esgotam a extensão. É a preexistência de um que engendra a existência de seu oposto, ou seja: sem som não há silêncio, e sem o silêncio não seria possível conceber a sonoridade.
No dicionário on-line, o silêncio significa: “Ausência de qualquer ruído: o silêncio da noite. Condição de quem se cala ou prefere não falar. Excesso de calma. Já no dicionário Michaelis Ausência completa de som ou de ruído; calada, Estado de quem se cala ou se abstém de falar, Interrupção de correspondência ou de comunicação, Ausência de referência ou de menção de algo; omissão.”
É possível notar que apesar do silêncio possuir um sentido universal referido a não emissão de sons, o dicionário também revela outro sentido, a saber, o da singularidade, sendo, portanto, mais profunda que o significado etimológico.
Singularidade em psicanálise está diretamente relacionada à existência de um “eu”, o qual por motivos subjetivos, se recusa a fazer uso da linguagem.
O silêncio é assim a ‘respiração’ (o fôlego) da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido […] há silêncios múltiplos: o silêncio das emoções, o místico, o da contemplação, o da introspecção, o da revolta, o da resistência, o da disciplina. Eni Orlandi[2]
Mas para o mundo poético, qual o significado e sentido do silêncio?
Conhecido como fenômeno de resistência ou como abertura do inconsciente, no mundo atual, o silêncio é um elemento da comunicação que se faz presente em qualquer ato comunicativo humano, principalmente na poesia. Porém, a ferramenta do silêncio é explorada de uma forma diferenciada por alguns poetas. Ao invés de camuflar a dor, o pensamento, a reflexão, a quietude, o silêncio dos líricos viram versos inspiradores que, ao agrupar com novos sentimentos e palavras refinadas, resultam em uma sonata, composta pela alma e que precisam ser evidenciadas ao máximo de apreciadores.
O silêncio é um dizer que faz surgir um sentido, a saber, na pausa, nos intervalos, nas reticências
Se para Lacan[3], o silencio é um dizer, para o escritor Marlon Moraes, o seu silêncio é uma enuciação de profundo sentimento que já foi manifestado em mais de 12 livros aprazíveis. Em sua obra poética mais recente, lançada no final de 2020, o silêncio foi o protagonista da obra em parceria com outros secundários, ora o amor, ora a revolta, ora a saudade e, em todos, a sua vivência pessoal, seja efetivo ou interpretada, proporcionando o leitor sentir a cada versos a sua regência.
Relicário é composta por aproximadamente 100 poesias, distribuída em 100 páginas e algumas registradas com a letra cursiva do autor. Editada pela Editar – e lançada em um ano em que o isolamento foi necessário e o silêncio foi tanto amigo, como inimigos de muitos.
Ano em que o autor refez sua vida pessoal, se isolou da família e amigos, perdeu pessoas queridas, a taciturnidade foi para ele muito mais sufocante e assustador do que ele mesmo esperava, ao ponto de lançar o livro com discrição e quietude, sem muito interesse financeiro, apenas que a sua arte chegasse ao máximo às pessoas estimadas e seus leitores.
Para entender Relicário em um ano viral, Business Comunicação dialogou com o escritor sobre a vida, pandemia e, claro, sobre poesia e carreira.
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BC: Nas primeiras páginas encontramos os famosos versos românticos, amor perdido, a “imortal” Índia e outras formas do encontro com o “eu”. O que mais podemos encontrar em Relicário?
MM: Relicário é, essencialmente, um livro de amor e lembrança… Então, tudo no livro remete a tais sentimentos.
“(Aqui) crescemos, para uma poesia ainda maior, dançando, com as crianças, ouvindo o próprio silêncio” (p. 29).
BC: O Silêncio é um sentimento que encontramos em quase todos os poemas. Como é sua relação com o silêncio e a solidão?
MM: O silêncio é o cenário para a inspiração. Assim, quase sempre me sinto bem ao silêncio, quando escrevo. Preciso, instintivamente, do silêncio e da solidão (do ambiente) para me expor nas páginas.
BC: O ano de 2020 foi um ano de ressignificação, com muita utilização da “#novonormal” “#isolamentototal” ou “#emcasa”. Quais “novos normais” você precisou inserir na sua rotina pessoal e literária?
MM: Com a pandemia, convivi mais com o silêncio e a solidão… A ausência dos familiares e amigos criou um “novo mundo”, que me é ainda muito estranho.
BC: A pandemia trouxe mais inspiração? Ou mais desespero?
MM: Durante a pandemia, apenas me senti mais saudoso… Vivi (e sinto ainda) a saudade de um tempo que talvez já não exista mais, em nada.
“Entre os confusos laços humanos, do que vivemos ainda?” (p.32)
BC: O que mais deixa você assustado no mundo hoje?
MM: A frieza das pessoas… Não percebo mais um sentimento, puro e forte, nas pessoas. Há um egoísmo, uma vaidade que transborda. E isso me assusta sim.
BC: Se fosse escrever um poema sobre 2020, como seria seu olhar para um ano que entrou para a história?
MM: Não escreveria nada. É um ano de silêncio! Não cabe palavras nem vejo poesia neste ano triste para a Humanidade.
BC: Como foi programado o lançamento? Quem poderá acompanhar?
MM: Inicialmente, o lançamento seria virtual… Mas, devido às perdas, à dor que vivenciei, optei por apenas publicar e presentear com o livro. Não há outro sentimento agora.
BC: Então, leitores não conseguirão conhecer a obra? Relicário ficará disponível em algum site para aquisição?
MM: Sim, conhecerão sim! O livro estará disponível para venda (também em e-book) em livraria e site, inclusive da editora (www.editar.com.br).
BC: Existe novos projetos literários a caminho?
MM: Sim, para 2021, estou com o projeto de um livro de engenharia e, posteriormente, um livro de fotografia. A poesia será silenciada um pouco.
BC: E o que fez a poesia silenciar temporariamente?
MM: A poesia estará viva (em mim), mas não apresentarei nada poético em 2021… Priorizarei outros projetos literários, que também são essenciais e me atraem muito.
“Onde nascem os sonhos?” (p. 31).
BC: Deixe sua mensagem 2021 aos seus leitores.
MM: Que o novo ano seja de um renascimento, para todos nós! Que se concretizem os sonhos, que se harmonizem as pessoas… Creio na vida! Então, espero que possamos todos aprender muito com a pandemia, as reflexões pessoais, e viver melhor, com alegria.
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Bibliografia do escritor Marlon Moraes
- Eclipse Oculto – Poesia. 2003. Templo Editora
- Dois Dias na Eternidade – Poesia. 2004. FUNALFA Edição
- Vento Norte – Poesia. 2005. Templo Editora
- Carnaval in Versus – Poesia. 2006. FUNALFA Edição
- Via Láctea – Poesia. 2007. FUNALFA Edição
- Sonetos – Poesia. 2008. FUNALFA Edição
- Latitudes – Poesia. 2010. Templo Editora
- Mar de Sophia – Poesia. 2011. FUNALFA Edição
- A Segunda Voz (O Livro Vermelho) – Poesia. 2012. Templo Editora
- Estrada Real – O Caminho do Ouro – Prosa. 2013. FUNALFA Edição
- O Circo da Alegria – Literatura Infantil. 2014. Templo Editora
- Um, 2. – Antologia in Versus – Poesia. 2015. Templo Editora
- Domínio Público – Antologia Poética – Poesia. 2015. Templo Editora
- A Tartaruga Carla e o Pescador – Literatura Infantil. 2017. Templo Editora
- Versos de Ontem – Poesia. 2018. Templo Editora
- A Casa Falante – Literatura Infantil. 2019. Templo Editora
- Relicário – Poesia. 2020. Editar Editora
* Por Patrícia Brito – cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras – cadeira 44 da Academia Capixaba de Letras e Artes de Poetas Trovadores – apaixonada por conteúdo e mundo cultural, atuante em pesquisa literária, sem deixar, é claro, a simplicidade de ser apenas uma escritora que ama estudar livros, ama conhecer histórias inspiradoras e mais ainda, ama dialogar sobre a vida. www.patriciabritto.com
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REF:
[1] Psicóloga clínica, Especialista em Psicologia Clínica/IFF-Fiocruz, Psicoterapeuta do Instituto Cultural Freud, Associada ao Fórum/CPRJ.
[2] ORLANDI, Eni Puccinelli. As Formas do Silêncio: No movimento dos sentidos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.
[3] LACAN, J. Escritos. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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