Todos com um acesso mínimo à informação sabem o quanto a Ditadura Militar resultou em anos escuros, violentos e sangrentos para o país. Quem viveu e sobreviveu se arrepia só de lembrar, já os que não vivenciaram o drama, podem tentar fazer isso por meio das notícias, das histórias, da literatura jornalística, da literatura didática e, até mesmo, por meio da ficção. William Soares dos Santos propõe neste livro escancarar, fazendo uso da ficção, a violência e os absurdos desse período.
O livro recebido mediante a agência literária, Oasys Cultural, foi escrito por meio de relatos feitos em primeira pessoa, ora (e na maioria deles), em terceira pessoa. E, assim, como naquele tempo, a obra também não revela nomes dos personagens, ou suas características mais detalhadas, como se o narrador estivesse confidenciando algo perigoso e que, ainda, é proibido falar.
Apesar de tudo isso que aconteceu naqueles anos, muitos se esqueceram de como era viver no pesadelo e pedem pela volta da ditadura (p.148)
A violência, a dor, as fugas, as mudanças de endereços das casas de torturas, em sua maioria, são mencionados ao longo de todas as páginas, contendo, em cada folha, um relato acerca de algum padecimento.
A DITADURA MILITAR
A Ditadura Militar no Brasil foi um regime autoritário que teve início com o Golpe Militar, em 31 de março de 1964, com a deposição do presidente João Goulart – Juliana Bezerra, professora de História.
Esse período durou, aproximadamente, 21 anos com 5 mandatos militares.
O princípio do alvoroço ocorreu no governo de Jânio Quadros e de João Goulart. E o Golpe Civil ocorreu em 1964, oficializando o início de um ciclo tenebroso. Naquele ano, a cidade do Rio de Janeiro e de Juiz de Fora foram tomadas por esses agentes, os quais confrontaram o governo da época com apoio político e civil. O objetivo deles eram atalhar o avanço das organizações populares do governo de Goulart, indiciado como comunista.
Então, no dia 31 de março de 1964, o presidente foi derrubado, e as forças que arriscaram resistir sofreram violenta repressão. Jango precisou refugiar-se no Uruguai, e uma junta militar assumiu o controle do Brasil, o que durou anos.
Os cinco governos da era Ditadura foram:
Humberto Castello Branco (1964-67);
Artur Costa e Silva (1967-69);
Emílio Médici (1969-74);
Ernesto Geisel (1974-79);
João Figueiredo (1979-85).
O início do fim dessa violenta e ensanguentada época começou nos meses finais de 1983 quando, em todo o país, uma campanha pelas eleições diretas para presidente, as “Diretas Já”, uniram várias lideranças políticas como Fernando Henrique Cardoso, Lula, Ulysses Guimarães, entre outros.
Esse movimento teve seu auge em 1984, ao ser votada a Emenda Dante de Oliveira, a qual tinha a pretensão de restabelecer as eleições diretas para presidente, todavia os votos não foram suficientes.
Já em 1985, a eleição de Tancredo Neves e de seu vice, José Sarney, colocou fim ao regime militar e deu início a um novo ciclo, no qual, voltava à ativa, a democracia brasileira.
Para conhecer mais detalhes e o passo a passo de cada Presidente dessa época, leia a matéria “História do mundo”
Uma ótima explanação encontra-se, também, no YouTube. E mesmo que eu não concorde com o humor sarcástico do historiador, o conteúdo é rico, e propõe uma viagem ao tempo ao mencionar o primeiro Golpe Militar no Brasil até chegar, de fato, ao ano de 1964. Para mais, acesse Canal Buenas Ideias.
No entanto, para entender melhor esse contexto e associá-lo a Memórias de um triste futuro, Business Comunicação buscou uma consultoria com a historiadora Nilma Maria de Oliveira Leal, graduada em História, licenciada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Belo Horizonte (FAFI-BH), e especialista em História e Cultura Afro-Brasileira pela Faculdade Noroeste de Minas (FINOM). Além de ter, na grade curricular, outras especializações e experiências como educadora pedagógica.
Nilma é uma estudiosa e apaixonada por essa temática e começa explicando as características da ditadura.
As principais características da ditadura militar são a falta de transparência política, partido único, censura à imprensa, concentração de poder, perseguição aos opositores políticos e um intenso controle do Estado sobre a vida dos cidadãos. Benito Mussolini deixou bem claro esse controle quando diz: “Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado”. Ou seja, totalmente antidemocrático, pautado em dogmas religiosos e moralistas, normalmente com slogan patrióticos e religiosos, tendo, como apoio, discursos de honestidade e de integridade. Só que, por trás desses preceitos morais, estão homens frios e torturadores, obcecados em causar sofrimento.
Ela lembra que, segundo Maurice Duverger, a ditadura nada mais é do que um regime político autoritário e mantido pela violência, de carácter excepcional e ilegítimo. Ela pode ser conduzida por uma pessoa ou por um grupo que, com o auxílio da força, impõe seu projeto de governo à sociedade. Normalmente, ditadores chegam ao poder mediante golpes de Estado. Dessa forma, tal força caracteriza-se por ser um autoritarismo, exercido por um militar ou por um grupo de militares.
Assim, Nilma relata alguns exemplos mais conhecidos por se caracterizarem como sendo “causadores de grandes mortificações, de amarguras, de consternação, de torturas e de sofrimentos à população, sem falar no número de mortos advindos desses regimes” – relembra, citando em seguida:
o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o franquismo na Espanha, o salazarismo em Portugal e o stalinismo na União Soviética. Mesmo conhecendo as consequências desses regimes, nas décadas de 60 e 70, instalaram-se ditaduras em vários países sul-americanos, como Brasil, Argentina e Chile, sobre o pretexto de livrar os países de ameaças comunistas e de estabelecer a ordem.
Ela recorda que esse tempo de opressão, na maioria das vezes, obteve o apoio de grandes potências capitalistas, “visando à exploração econômica, social, política e cultural desses países”.
E, por fim, a historiadora finda com um alerta para os desejosos e os apoiadores do Regime Militar:
A falta de transparência e a forma como a imprensa é controlada pela censura ditatorial não deixa claro o que acontece nos bastidores econômicos do governo, de maneira que, no fim dos governos militares no Brasil, o país estava mergulhado em dívidas, oriundas das grandes construções faraônicas, como a Transamazônica, que nunca foi terminada, evidenciando, nesse tempo, o não crescimento econômico do Brasil.
Nota-se, então, que regimes absolutistas, de maneira geral, não trazem benefícios a um país. Fatores como ciência, cultura, economia e liberdade de expressão ficam à mercê das decisões de um único grupo que governa em benefício próprio, desconsiderando os interesses e as necessidades do povo, excluindo, totalmente, a participação popular das decisões políticas, sociais, educacionais, científicas e econômicas, além disso, usam de meios vis para imprimir tortura, para submeter e para subjugar seus opositores. Sendo assim, qualquer forma de opressão tem de ser banida do sistema político, havendo, assim, a necessidade de fortalecer a democracia em todo mundo e, também, no mundo todo.
Essa é a parte histórica. E o grande gancho da ficção é poder criar narrativas paralelas à realidade. William consegue desenvolver muito bem todas as questões ou, ao menos, quase todas que a historiadora descreve por meio do seu parecer acima.
AS CONSEQUÊNCIAS
Entre as amargas consequências de 21 anos de ditadura, algumas ainda podem ser destacadas:
434 mortos por conta do autoritarismo do regime, além de mais de 8 mil indígenas mortos pela política de ocupação da Amazônia;
20 mil torturados;
Quase cinco mil pessoas com direitos políticos cassados;
Aumento da corrupção, pois não havia liberdade para investigar os crimes dos militares;
Redução nos direitos dos trabalhadores;
Aumento da desigualdade social;
Aumento do endividamento do Brasil;
Inflação alta e crise econômica etc.
Na era dos governos militares, muita mentira e distorção de informação era utilizada, outras, abafadas, como os suicídios.
Ele era bem mais alto do que isso e a foto mostra seus joelhos quase tocando o piso e os seus pés dobrados, o que mostra a impossibilidade de um suicídio por enforcamento (p.144)
Mesmo não mencionando nomes de personagens nem as referências das pessoas envolvidas, fica claro, nesse fragmento, a similaridade da história com o caso do jornalista Vladimir Herzog da TV Cultura, que nunca participou de movimento nenhum e que, misteriosamente, desapareceu após um dia de trabalho em 1975.
Ao notar essa semelhança, fica óbvio que o autor não usou apenas ideias aleatória para construir seus textos “ficcionais”, ele fez um estudo aprofundado, com pesquisa em fontes sérias e confiáveis, para escrever sua obra. Ousou na coragem, ao narrar a violência extrema, identificando os lugares onde foram ocorridos os fatos.
Memórias de um triste futuro pode ser lido ou estudado por aqueles que ainda não conhecem acerca das nuances daquele tempo, caracterizando-se como uma obra introdutória sobre assunto. Outrossim, também pode ser apreciada por profissionais, por historiadores e por leitores que querem conhecer um pouco mais sobre os fatos pelo meio lúdico da ficção. Na verdade, essa obra deveria ser uma leitura obrigatória para todos os níveis.
Dados informativo
Editora : Editora Patuá
Edição: (1 janeiro 2020)
Gênero: Política/romance
Páginas: 167
Idioma: Português
Autor: William Soares dos Santos nasceu no Rio de Janeiro, em 1972. É graduado em Letras (português nasceu no Rio de Janeiro, em 1972. É graduado em Letras (português e italiano), Mestre em Linguística Aplicada, ambos pela UFRJ e Doutor em Estudos da Linguagem pela Faculdade de Letras da PUC-RJ. Publicou trabalhos na área de Estudos da Linguagem (Linguística Aplicada) e Educação.
Em 2015, deu início à carreira literária com a publicação do livro de poesias, Rarefeito, seguido pelo seu primeiro livro de contos, Um Amor, publicado em 2016, além de outros dois livros de poesias: Poemas da meia noite (e do meio dia) (2017) e Raro (poemas de Eros) (2018). É membro titular do Pen Clube do Brasil.
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* Por Patrícia Brito – cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras – apaixonada por conteúdo e mundo cultural, atuante em pesquisa literária, sem deixar, é claro, a simplicidade de ser apenas uma escritora que ama estudar livros, ama conhecer histórias inspiradoras e mais ainda, ama dialogar sobre a vida. www.patriciabritto.com
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