O que leva uma pessoa a escolher uma vida frívola e optar por um caminho sem volta e sangrento? É o que leitor questiona a todo tempo à medida que a leitura caminha e à medida que os fatos são revelados.
“[…] Se você está no top 10, significa que você é uma pessoa muito perigosa, e que você é conhecido, não apenas no FBI, mas por toda a força policial. Sua foto está em todos os lugares … Qualquer pista no departamento que tenha a ver com a pessoa da lista, é examinada dentro de uma hora […]” (p.326)
Orth, uma jornalista premiada em sua carreira, uma das primeiras mulheres a ocupar a redação Newsweek, nesta obra, não traça apenas um simples perfil de um Serial Killer, mas propõe ir além, e faz um estudo aprofundado sobre o biografado, sobre o mundo gay, além de expor o universo de drogas e de sexo sadomasoquista.
No início da história, encontramos um pouco de “achismos” e de preconceitos por parte da autora, mas, exatamente nas primeiras duzentas páginas, alguns trechos ficam claros ao mostrar que ela não foi tão imparcial despejando sua opinião nas linhas. Já nas duzentas páginas seguintes, ela consegue desenvolver uma narrativa investigativa, começa a relatar mais sobre os fatos registrados, sobre os erros e sobre os descasos da polícia. Em alguns momentos, até percebemos que a autora investiga mais que o próprio FBI. Não é à toa que uma obra de pouco mais de 400 páginas foi escrita em 60 dias.
Entrevistando conhecidos, amigos, familiares e a polícia, Orth consegue esmiuçar a vida de Andrew Cunanan. Com uma longa pesquisa, todas as entrevistas e pesquisas são fundamentais para a jornalista construir uma biografia linear, com uma narrativa bem construída e com pouquíssimas falhas, que, ao leitor, não é percebido, mostrando como era a infância e a vida adulta de Andrew.
Os motivos das escolhas de Andrew para o caminho sangrento ficam sem respostas, o que intriga, mais ainda, o leitor que acompanha esse assassino em série.
Quem foi Andrew Cunanan?
Uma pessoa que teve o amor dos pais, porém os próprios genitores exageraram e o incentivaram a acreditar que o mundo dependia e precisava dele, não o contrário.
O resultado não poderia ser diferente. Desde cedo, Andrew desenvolveu a arte de mentir para conseguir o que queria, para ser a atração do grupo e para outras coisas quaisquer. E com o ego sempre elevado, passou a adotar uma imagem oposta à sua realidade. As pequenas mentiras ficaram grandes e, cada vez mais, foram se agravando.
Ainda assim, não satisfeito, passou a assumir outras identidades e a vivenciar, por meio delas, uma vida fútil, cheia de superficialidade nos atos e nos argumentos.
“[…] O jogo deles se baseia no poder e na autopromoção à custa dos outros, e eles são capazes de atropelar tudo e todos com total egocentrismo e indiferença […]” (p.39) – Mentes Perigosas.
No livro “Mentes Perigosas”, a psiquiatra faz um estudo detalhado sobre o comportamento do cérebro em pessoas com tendências à psicopatia. É um assunto frágil. Ainda assim, é recomendável ler em paralelo ao livro de Orth.
Ao estudar a pesquisa de Ana Beatriz Barbosa Silva, fica bem mais claro para o leitor compreender cada ato desse assassino em série, desde as pequenas atitudes na infância, até os crimes mais cruéis na fase adulta.
E, na verdade, é muito difícil compreender como funciona a mente e a alma de um ser humano que tem todo um comportamento malicioso. Todavia, tudo isso está ligado às opções da família nos primeiros anos de vida da criança, além disso, os primeiros sinais podem aparecer, também, na infância.
“[…] Com a partida do pai, Andrew perdeu seu tênue ponto de apoio. Desacostumado a ter que se virar sozinho, ele estava desprovido de meios e cada vez mais instável. Ao se concentrar tanto no status, Pete havia destruído qualquer senso genuíno de autoidentidade que o filho poderia ter tido” (p.57).
Tudo isso, lamentavelmente, proporcionou-lhe escolhas rasas na vida adulta. Fazendo com que o sexo e a drogas tornassem-se os co-protagonistas de sua história real, e os amigos que passaram pela sombria vida do biografado, os coadjuvantes.
Drogas e BDMS são combinações perigosas e fatais e podem levar a um futuro perigoso e sem volta, sem muitas chances de se arrepender ou de querer consertar o que de errado se fez.
“[…]Especialistas em comportamento de assassinos em série dizem que a combinação pode ser explosiva (drogas e sexos). O narcisismo de Andrew e suas mentiras patológicas já faziam dele uma personalidade limítrofe […]” (p.172)
Sabe aquelas frases clichês que usamos, tais como: “O perigo mora ao lado.”, ou “Quem vê cara, não vê coração.”? Ana Beatriz Barbosa explana bem acerca desses tipos de bordões.
“Os psicopatas matam a sangue frio, com requinte de crueldade, sem medo, nem arrependimento. Porém, o que a sociedade desconhece é que o psicopata, em sua grande maioria, não é assassino e vive como pessoas comuns […]’ (P.19) – Livro Mentes Perigosas.
É, de fato, uma biografia assustadora, pois Andrew foi um tipo de ser humano que usou a inteligência para uma crueldade extrema e ardente.
Histórias da Vida Real
O livro foi estudado pelo Clube de Leitura “Histórias da Vida Real”, que tem, como objetivo central, a conexão de pessoas que gostam de obras não ficcionais, como livros-reportagem, biografias e documentários.
O clube está em três plataformas, no Facebook, no WhatsApp e no Instagram. No Instagram, é mais para divulgação e para apresentar trabalhos debatidos. Para quem tem Facebook, o envolvimento de cada leitor é mais amplo e diversificado, com participação ativa de todos do clube. Já pelo WhatsApp, os membros dialogam sobre a leitura do mês e, por fim, também rola um encontro mensal por videoconferência.
Em meio a tantos clubes de livros, sendo estes de ficção e de clássicos literários, o projeto liderado por Vanessa Cazaroto é inovador e raro.
“Descobri os livros-reportagem na faculdade de jornalismo. Até ali, nunca tinha lido nenhum. Adorei! Comecei a buscar formas de discutir os livros com amigos. Mas era uma leitura pouco frequente (e até desconhecida) nos meus círculos. Também não encontrei clubes de leitura com este foco” – relatou Vanessa para o BC.
Um dos anseios de Vanessa era unir pessoas dispostas e com o mesmo interesse de leitura, assim ela organizou um cronograma, um livro por mês. Desse modo, a obra é lida e, no mês seguinte, debatida, mas sempre com uma data fixa, porém com possibilidade de ajustes, dependendo do ritmo da leitura dos leitores do clube.
“Aos poucos, foi chegando mais gente. Hoje, o clube tem, além do objetivo de conectar pessoas que gostam de não ficção, divulgar esse tipo de leitura. E mais, o sonho de contribuir com a formação de novos leitores e de pensamentos embasados em informação mais contextualizada e trabalhada”. – Vanessa Cazaroto
Vanessa foi uma das leitoras que se empolgou com a narrativa. Ela explicou que, durante uma leitura ficcional policial, ou sobre serial killers, vários questionamentos vão aparecendo. E, a cada nova página, é fomentada a expectativa pelas revelações. Ela alerta que, na grande maioria dos casos, as histórias acabam amarrando todas as pontas soltas ao final e, se por acaso ficar alguma brecha, pode esperar que a continuação é certa.
“Favores Vulgares: a história real do homem que matou Gianni Versace” da jornalista Maureen Orth é justamente o oposto de livros de ficção. A leitura tem aquela crueldade de apresentar questões que só poderiam ser respondidas por um narrador onipresente – o que não existe no universo dos livros-reportagem. Portanto, mesmo com a leitura de mais de 400 páginas, não se têm todas as respostas. E nem poderia. Vida real é assim! – Vanessa Cazaroto.
Ela lembra que a autora começou sua pesquisa sobre o assassino Andrew Cunanan antes mesmo do crime envolvendo a figura pública de Gianni Versace acontecer. E, mesmo com toda pesquisa e com todos os entrevistados, Vanessa conclui que a investigação que embasa o livro é robusta, “e bota robusta nisso!”.
Porém, com a fidelidade à áurea do momento, por ter sido escrito no calor dos acontecimentos, o que o livro entrega é uma história detalhada, contextualizada e vista de muitos ângulos. Para a líder do Clube, é, sem dúvidas, a fonte de informação mais completa que se pode ter sobre o caso.
“Trata-se de um texto jornalístico que remete, de fato, à leitura de uma reportagem. Contudo, a linguagem não é objetiva. Existe muito da opinião dos entrevistados, tanto nas aspas quanto na voz da autora – ela continua – se lido com distanciamento, acaba sendo um retrato, não só do assassino quanto da vítima mais famosa. E mais, apresenta o cenário e as questões de gênero naquele contexto”.
Ela conclui sua análise lembrando que a história tem muitos elementos para uma boa trama: luxo, sexo, drogas, decadência, vítima famosa, fofocas, erros policiais, mídia sangue-suga, preconceito e, de quebra, um serial killer à solta, amedrontando as pessoas.
Vanessa Cazaroto é recém graduada em jornalismo, apaixonada por histórias de vida e estreou, recentemente, sua coluna Café com Histórias no site Estação E006. Recentemente, impulsionou sua jornada como ghostwriter e como biógrafa.
É idealizadora do Histórias da Vida Real – Clube de Leitura e prepara seu primeiro livro autoral “Quando nasce a mãe – História da Vida Real”.
Qual a reflexão que o livro deixa.
Além do teor jornalístico bem escrito, ao finalizar a leitura de “Favores Vulgares”, uma reflexão desponta com a autora Ana Beatriz Barbosa e com seu estudo sobre a psicopatia:
Qual é o seu papel no mundo? (p.26)
“[…] a consciência genuína — e somente ela — é capaz de mudar o mundo para melhor” (p.33) – Mentes Perigosas
O final da história, todos conhecem, o livro virou série de TV na FOX, também disponibilizado na NETFLIX, e é mais assustador assistir depois de ler a obra. Uma bola de neve costura a história do biografado, como: mentiras, relacionamentos conflituosos e abusivos, delírios de grandeza, narcisismo, queda da libertinagem moral, crimes com final típico de um serial killer. Uma leitura que o Business Comunicação recomenda e alerta, é, realmente, assustador perceber que existe gente assim. Obra para ler e para refletir acerca desta questão: você tem consciência de seus atos e de suas escolhas?
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* Por Patrícia Brito – cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras – apaixonada por conteúdo e mundo cultural, atuante em pesquisa literária, sem deixar, é claro, a simplicidade de ser apenas uma escritora que ama estudar livros, ama conhecer histórias inspiradoras e mais ainda, ama dialogar sobre a vida.
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