Foi destacado ‘o fluxo das relações entre as sete esferas de atividade’ que guiam o funcionamento da sociedade produtora de mercadorias (David Harvey), para considerar a paradoxal necessidade do sistema prisional como uma das ‘concepções mentais de mundo’ que motivam a manutenção do cárcere. Foi mencionada a violência seletiva perpetrada em face dos ‘inimigos do Direito Penal’ (Eugenio Zaffaroni), bem como os seus motivos legitimadores.
Em pesquisa de campo, dezesseis internas do Conjunto Penal Feminino de Salvador (CPFS) foram entrevistadas e analisados os seus sentimentos e necessidades, colhidos com utilização do GROK (jogo de cartas proveniente da Comunicação Não-violenta (CNV), adaptado como ferramenta metodológica). A CNV, em especial a escuta empática, é compreendida aqui como principal forma de identificar vozes e propósitos, sendo, portanto, um importante ponto de partida ao reconhecimento do vínculo ético-moral com o outro (Judith Butler). Dessas dezesseis mulheres entrevistadas, quatro foram escolhidas para sustentar a temática-chave desta pesquisa: as divergências presentes nos seus processos e condenações. Foi questionado o não-reconhecimento dessas vozes pelos representantes do Estado (vínculo ético e precariedade).
Foram acessados os prontuários dessas quatro internas sentenciadas pelo crime de homicídio doloso e, diante da demonstração do contraste entre os seus depoimentos, as condenações e os arsenais probatórios, foi questionado: o Estado reconhece valor nessas vozes? A presente pesquisa tem o objetivo de revelar as mazelas do sistema processual penal e penitenciário; externar as histórias dessas mulheres, retirando-as, pouco a pouco, do calabouço do silenciamento, exteriorizando suas dores e alegações de injustiça; mas, principalmente, expor a condição precária que caracteriza o atual sistema de produção social.
O que eu posso lhe dizer? Estamos demonizando pessoas… Estamos desumanizando o outro e, assim, esquecendo a semelhança primordial e mais avassaladora entre você e eu: a nossa espécie. Não há monstros, nem anjos, nem fadas… Somos todos humanos. — Fernanda Pimentel Sá, Monstros e fadas, 2020
Quem possui a palavra detém o poder, com essa circunstância latente, nesta sociedade, tem-se o silêncio da voz, do choro e da vida no limítrofe entre os muros e o céu emoldurado por nuvens e fundo azul. Esta obra, delicadamente, construída por Fernanda Sá, em coautoria de mulheres protagonistas de histórias permeadas por axiomas, carrega isto como evidência.
Em Vozes e Propósitos: entre divergências e condenações no Conjunto Penal Feminino de Salvador, Fernanda Sá versa acerca de mazelas do sistema processual penal e prisional, numa escrita sensível e caldeada por conhecimento teórico.
Com ferramentas materiais, a autora identificou as principais necessidades e sentimentos das dezesseis internas entrevistadas. Todavia, é notório que Fernanda, para além disso, adentra o olhar emocionado de cada uma delas, num choque emblemático de almas.
Ao(à) leitor(a) querido(a) desta obra, cauciono-lhe que, ao findar das entrelinhas, pois a essência deste texto encontra-se nelas, não há como olhar o mundo equitativamente ao primeiro folhear. De forma que “Meu Eu de hoje escreveria um texto sobre mim no qual o meu Eu de ontem não se reconheceria […]”. (Crônica Dona da caneta, Sá, Fernanda, 2020)
— Priscila Goes
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Autora
Fernanda Pimentel Sá é Mestra em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), 2020 (com fomento CNPq 2018-2020); é Especialista em Direito Público pela Universidade Salvador (Unifacs), 2016; Advogada (OAB/BA no 41.339); Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), 2013.
Cronista, autora da Coluna “Do Caos à Crônica”; Colunista semanal no site Bahia Social Vip (2019-atual);
Cofundadora do MudArt (Movimento Universidade Arte Transformática), 2018-atual; e Coordenadora Educacional do Projeto Multidisciplinar EcoWomen (2020-atual).
Voluntária do Projeto Prison Smart no Conjunto Penal Feminino de Salvador, 2018; Membro do Núcleo de Estudos Sobre Educação e Direitos Humanos – NEDH/UCSAL (2018-2020); do Grupo de Estudos em Criminologia, UCSAL (2018-2019); e do Núcleo de Pesquisas em Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, UCSAL (2015).
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*Por Priscila Goes é sonhadora e utiliza os livros como asas para alcançar os seus sonhos daqueles que a confiam seus escritores. É Letróloga (UCSal); Docente (UCSal – Faresi); Escritora e Editora-chefe da PG Editorial.
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